Duília Fernandes de Mello é uma astrônoma e astrofísica brasileira.
Foto: Divulgação.
Publicado originalmente no site da revista Veja, em
06/01/2017.
Para brasileira da NASA, país sofre com “evasão de
cérebros”.
"Eu, por exemplo, fui embora do Brasil porque perdi a
confiança do governo brasileiro em investir em ciência", diz Duília de
Mello.
Por Carla Monteiro.
A astrofísica brasileira Duília de Mello, colaboradora da
NASA, a agência espacial americana, desde 2003, esteve na última Campus Party
2017, que ocorreu na semana passada em São Paulo. Em entrevista, além da
participação do país no cenário mundial da astrofísica e da “evasão de gênios”
citada no título deste texto, ela falou sobre a importância da integração das
ciências nas pesquisas espaciais. Duília, que também é vice-reitora da Universidade
Católica da América, do estado de Washington, ainda comentou a importância de
incentivar mulheres na ciência e tecnologia e citou o filme Estrelas além do
tempo, que conta a história de um trio de mulheres negras que trabalham em um
projeto da NASA durante a Guerra Fria...
Qual é a sua avaliação em relação ao investimento do Brasil
em astronomia? O baixo orçamento é um problema que o Brasil enfrenta. Em
consequência dele, ocorre uma “evasão de cérebros”. Eu, por exemplo, fui embora
do Brasil porque perdi a confiança do governo em investir em ciência. Dediquei
a minha vida ao mestrado, ao doutorado, e, de repente, me vi em meio a uma
sociedade que elegia governos que não valorizavam a ciência. E isso está
acontecendo hoje em larga escala: pesquisadores que já têm contatos no exterior
buscam por oportunidades fora. O que é uma pena. Isso porque o Brasil precisa
de seus cientistas. A fuga de cérebros, hoje, ocorre devido as dificuldades
econômicas. Mas é um problema também é cíclico. Sempre vem e volta e continuará
assim enquanto o país não valorizar as pesquisas acadêmicas.
Porém, pensou em retornar ao país após se consagrar nos EUA?
Não voltei por vários motivos. Um deles é porque eu não fiz carreira no Brasil
e não tinha aquele salário básico de professor universitário e pesquisador. No
Brasil não se contrata professores titulares em universidades; é muito difícil
ter concurso público para professor titular. Aliás, o nosso sistema acadêmico é
muito antigo: é preciso fazer uma prova para se tornar professor. O que deixa a
área muito engessada. Nenhum lugar do mundo faz isso. Como consequência,
repito, acabamos exportando nossos cérebros.
Quão significativa é a participação do Brasil no ramo da
astronomia mundial? Está indo muito bem. Há cerca de 700 astrônomos no nosso
país. Ou até mais, pois tem aqueles que trabalham no interior e não são
registrados. Nossa comunidade faz trabalhos de primeira no mundo todo. Japão,
Suécia, Estados Unidos, em vários lugares que visito encontro brasileiros
realizando trabalho de ponta. Poderia ser melhor, pois estamos parados com um
projeto internacional do Observatório Europeu. O Brasil entrou como convidado
nessa iniciativa, mas até o momento não assinou o contrato, nem realizou o
pagamento com o qual se compromissou. Está, inclusive, no ponto de ser retirado
do consórcio. O que é uma pena, pois o Observatório Europeu é o maior do mundo.
Como lidar com as notícias falsas de astrofísica na
internet? É difícil. Muito conteúdo acaba se tornando “verdade” sem ser
verdade, de tantos compartilhamentos nas redes sociais. Também há aquelas
informações que nem são tão importantes cientificamente, mas se tornam
bombásticas na web. Uma coisa muito importante a se fazer é checar a fonte. Eu
tento instruir, principalmente aos mais jovens, para se verificar a origem da
informação. É a forma de não cair em notícias falsas. Uma da falsas histórias
que circulam por aí, por exemplo, é a do asteroide que poderia se chocar com a
Terra no próximo dia 16 de fevereiro. Quem cai nessa, se desespera sem motivo e
faz papel de desinformado com os outros.
Ultimamente, com, por exemplo, o sucesso do filme Estrelas
Além do Tempo — sobre negras que trabalharam na Nasa –, um assunto tem ganhado
força no ramo científico: por que há poucas mulheres nessa profissão? Trata-se
de um problema sério. O mundo está percebendo que existem menos mulheres nas
áreas científicas e de tecnologia. Faz 20 anos que eu, pessoalmente, incentivo
meninas a entrarem no ramo. Já escrevi um livro sobre o assunto (Vivendo com as
Estrelas, sobre sua trajetória). Ninguém deve fazer ciência só porque é legal,
mas porque gosta e é competente. O problema é que muitas mulheres não conseguem
seguir carreira na área. No mestrado e no doutorado, a proporção ainda é de 40%
de garotas. Só que quando falamos em contratação de pesquisadores, por exemplo,
esse número cai drasticamente. Os homens precisam respeitar a forma como as
mulheres fazem ciência. O feminismo não é uma proposta de transformar a mulher
em um homem, mas de dar igualdade aos dois lados. Eu acredito na
representatividade. Quando aceitei o cargo de vice-reitora na Universidade
Católica da América, no estado americano de Washington, foi também para mostrar
que é possível mulheres terem carreiras de sucesso.
A senhora protege a maior integração das ciências na
astronomia. Como assim? Os astrônomos e astrofísicos trabalham muito com
engenheiros, pois são eles que constroem os equipamentos. Um dos grandes
desafios da astronomia moderna é a questão do armazenamento de dados. Somos
limitados pelos limites da tecnologia. Onde nós vamos armazenar os muitos e
muitos terabytes que são gerados por dias pelos telescópios? A questão é que
não será um astrofísico que deverá encontrar a solução para isso. Trata-se de
um problema para a engenharia da computação. No projeto do telescópio Hubble,
por exemplo, existem 150 engenheiros da computação trabalhando – e esse número
não é invenção minha. É vital para a ciência o avanço da computação. Ou seja, é
vital que todos trabalhemos muito. Sem divisões ou rivalidades, como muitas
vezes acontecia.
Texto e imagem reproduzidos do site: abril.com.br/tecnologia
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